Os Care-full Sustainability Campus Days são inspirados na estratégia de outreach do CENSE que visa aproximar a investigação em sustentabilidade à sociedade em geral. Num concurso interno para projetos inter-e transdisciplinares com financiamento inicial [seed funding],  que seguiram um processo de orçamento participativo, este projeto foi aprovado pelos membros integrados do CENSE .

O que nos motivou a criar este evento outreach e quais as razões subjacentes à combinação de questões de sustentabilidade com questões relacionadas com o cuidado.

A sustentabilidade está inerentemente ligada a questões de relacionamento: como nos relacionamos connosco e com o mundo que nos rodeia, e como podemos melhorar a nossa capacidade de transformar e prosperar respeitando os limites do nosso planeta (Fazey et al., 2018)? Nos tempos atuais em que vivemos, múltiplas crises, e.g. a crise climática, os efeitos da recente pandemia devido ao COVID19, bem como uma crise global de confiança, os aspectos interligados do cuidado interno e externo assumem particular importância: o cuidado pessoal e individual que temos com nós mesmos (cuidados físicos, emocionais e mentais) impacta e reflete o cuidado que temos com as nossas comunidades e com o meio ambiente, baseando-se numa perspetiva integrada do sistema socioecológico (Fischer et al., 2015).

Sustentabilidade e o papel das instituições de ensino superior

As Instituições de Ensino Superior estão ao serviço da sociedade e têm um papel fundamental na promoção da sustentabilidade: é no seu seio que as gerações atuais e futuras, que serão os de agentes de mudança, estão a desenvolver e criar novas visões para o futuro, ao mesmo tempo que aprendem a lidar com problemas complexos que muitas vezes exigem a tomada de decisões difíceis. A colaboração interdisciplinar e para além das próprias disciplinas, incluindo a colaboração com diversos atores, é fundamental, pois nenhuma disciplina isolada pode responder aos desafios da sustentabilidade. As universidades começaram a responder de diferentes formas. Com este evento, pretendemos trazer uma lente interior para o debate da sustentabilidade, através da discussão e partilha de ideias inspiradoras para a comunidade do campus da FCT NOVA.

Porquê uma nova perspectiva interna?

Além do progresso alcançado e da crescente consciencialização para a sustentabilidade, o mundo continua num caminho bastante insustentável. Embora os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) nos ofereçam uma espécie de roteiro para um futuro mais sustentável até 2030, é cada vez mais evidente que, sem uma transformação mais profunda, os objetivos não poderão ser alcançados. O que está a faltar num mundo de conhecimento crescente e tecnologia cada vez mais sofisticada, onde esses avanços podem não conter soluções para resolver os fenómenos de insustentabilidade ?

Eu costumava pensar que os principais problemas ambientais eram a perda de biodiversidade, o colapso do ecossistema e as alterações climáticas. Achei que com 30 anos de ciência e investigação poderíamos resolver esses problemas. Mas eu estava errado. Os principais problemas ambientais são o egoísmo, a ganância e a apatia… E para lidar com eles precisamos de uma transformação espiritual e cultural – e nós os cientistas não sabemos como fazer isso.

James Gustave Speth

Esta citação bem conhecida de James Gustave Speth revela a necessidade de integrar os nossos valores e condições internas no debate da sustentabilidade. Os cientistas são desafiados a explorar esses processos de transformação. Vários investigadores já o fazem. O trio de autores Ives, Freeth & Fischer argumenta em seu renomado artigo “Sustentabilidade de dentro para fora: A negligência dos mundos internos” (2020) que o foco exclusivo da ciência em fenômenos externos e análises descritivas “levou à negligência dos ‘mundos internos’ das pessoas —das suas emoções, pensamentos, identidades e crenças”. Os autores defendem que a consideração do mundo interior das pessoas é uma dimensão da própria sustentabilidade, pois “compaixão, empatia e generosidade, por exemplo, são características pessoais que influenciam as expressões individuais de sustentabilidade” (Ives et al., 2020).

Um número crescente de cientistas vêem a necessidade de transformação interna para a sustentabilidade como um “ponto de alavanca profundo” (Woiwode et al. 2020) para nossos esforços de sustentabilidade.

Moriggi et al. 2020 explicam o potencial transformador das práticas de cuidado, uma vez que podem aumentar a nossa consciência emocional e a nossa capacidade de nos relacionarmos uns com os outros,  incluindo com o mundo natural não-humano.

A Iniciativa dos Objetivos de Desenvolvimento Interior

No seguimento desta linha de pensamento surgiu a Iniciativa de Objetivos de Desenvolvimento Interior [Inner Development Goals (IDGs)], um projeto de investigação conjunta que envolveu mais de 1500 respondentes, com o objetivo de desenvolver um framework para as competências e capacidades de desenvolvimento interior. Este projeto é visto como um processo complementar para se atingirem os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável e a Agenda 2030. O atual quadro estrutural apresenta cinco categorias e vinte e três competências e qualidades, que, no nosso entendimento, ajudam a fazer a ponte entre a sustentabilidade interior e exterior. Os Care-full Sustainability Campus Days foram concebidos com base nesta estrutura.

Na educação e na investigação, tendemos a priorizar o nosso conhecimento lógico e as nossas capacidades de pensamento racional. As abordagens de aprendizagem que envolvem mente, corpo e espírito (entendidos como o nosso coração e os sentidos) são atualmente mais a exceção do que a norma. As abordagens holísticas e as práticas de cuidado podem não apenas melhorar o sucesso académico, mas também ajudar a promover o bem-estar em geral e melhorar a capacidade de dar resposta à insustentabilidade. Além disso, podem ser bastante úteis para estudantes, docentes e funcionários lidarem com os desafios e dificuldades da vida acadêmica.

Bem-estar e combate aos riscos de burnout

Diversos estudos referem o risco crescente de burnout na academia, fenómeno já presente antes da pandemia (por exemplo, a meta-análise sobre burnout na academia de Sabagh et al. 2018): a cultura de alta exigência e competitividade no sector da educação, está a dar origem a efeitos negativos não apenas no desenvolvimento pessoal e profissional dos alunos, docentes e funcionários, mas também na produtividade institucional.

No seu artigo “Educadores e alunos estão esgotados. Essas Estratégias podem ajudar”, os autores explicam que as práticas de cuidado como por ex. o autocuidado, mas também os atos de bondade para com os outros, têm-se mostrado úteis para reduzir o risco de burnout e são vistos como um pilar fundamental para a sustentabilidade humana nas organizações.

Na concepção do nosso evento, procuramos criar atividades que implicam o uso da cabeça, das mãos e do coração (Sipos et al., 2008) e que oferecem a possibilidade de se desenvolverem em temas de sustentabilidade de forma holística, incluindo práticas como o yoga e a meditação de mindfulness, e que podem contribuir para o nosso bem-estar e resiliência, a nível individual e colectivo.

A ligação entre a sustentabilidade e cuidado

Promovida pelo CENSE e pelo CareLab for People & Planet, a iniciativa Care-Days é simultaneamente um evento outreach e um projeto de investigação-ação. O convite está feito para descobrirmos juntos como a transformação da sustentabilidade e as práticas de cuidado podem relacionar-se, cultivando intencionalmente os nossos mundos internos, criando em conjunto uma universidade que cuida e que se preocupa.

Esta iniciativa é um projeto piloto para iniciativas futuras.

Juntos, queremos construir um caminho em conjunto para um futuro mais sustentável!